quinta-feira, 19 de julho de 2012

[Crônica] Voto de Cabresto

Olá a todos!

Desta vez trago uma pequena crônica que escrevi, espero que a apreciem e também as mudanças que farei no blog em breve!

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Voto de Cabresto

A jovem jornalista, sentada em uma bonita e confortável cadeira, olhava curiosa para o entrevistado. Era seu primeiro dia no novo trabalho, um jornal de uma pequena cidade, então sem mais delongas pôs-se a questionar.

- Pode confirmar seu nome?
- João da Silva.

Com um movimento rápido, ela anotou a resposta na caderneta.

- Quantos anos o senhor tem?
- Quarenta e três.
- Sempre votou?
- Tirando a época dos milico, sempre sim.
- Entendo. E o que pensa sobre as eleições que estão se aproximando?
- Ahh, é aquilo né... Uma robalheira só. Esses político não vale nada, só bandido vence eleição.

Ela acenou afirmativamente, quase inconscientemente, enquanto anotava a resposta dada. Voltou a encará-lo.

- Então o senhor acredita que as eleições não mudam nada no país?

Ele assentiu vigorosamente.

- Isso, isso... Esses cara são tudo areia do mesmo saco! Por causa disso esse país não tem salvação, só bandido, só safado...
- Mas o senhor já pesquisou sobre cada um dos candidatos?
- Não, não, não preciso pesquisar. Já sei bem em quem votar... Pedro Lima.

A jornalista ergueu as sobrancelhas.

- Se ainda não pesquisou, como decidiu?

O senhor abriu um sorriso, orgulhoso.

- Ele disse que ia arrumar um emprego melhor pra mim na prefeitura se votasse nele, sabe? Tô precisando de um salário maiorzinho...

Ela fez uma anotação rápida, e ele subitamente enrugou a testa.

- Mas não sai espalhando por aí, senão ele não me dá o emprego.
- Certo. E em relação ao cargo de vereador, o senhor já decidiu em quem votará?
- Não, pra fala a verdade ainda nem sei o nome dos candidatos.

Ele riu e ela retribuiu com uma risadinha sem graça, fazendo uma nova anotação e continuando com as perguntas.

- Mas senhor, faltam apenas três dias para a eleição... Há quatro anos decidiu em quem votar quantos dias antes dela?
- Ah... Prefeito e vereador foi no dia da eleição. Quando eu tava na rua indo de a pé, um sujeito entregou um panfletinho que eu li até lá, e por causa dele decidi em quem votar.

Outra anotação, e a jovem o encarou.

- E os candidatos cumpriram suas expectativas?

Ele balançou negativamente.

- Só robalheira, só robalheira...

De repente olhou para o relógio preso à parede e se sobressaltou. Levantando-se, começou a despedir-se apressadamente.

- Tenho que ir agora menina, tenho um compromisso.

Surpresa ela apertou-lhe a mão, fitando-o.

- É inadiável?

Ele assentiu, sorrindo, mais uma vez, orgulhoso.

- Sim. O Pedro Lima vai dar uma feijoada no ginásio municipal e eu fui convidado. É homem bom, sabe? Mesmo sendo político, com toda essa robalheira...

Dizendo isso saiu da casa, feliz por ter sido convidado para um evento tão importante e por alguém tão importante.

10 comentários:

  1. Com muito bom humor a crônica retrata uma das tristes realidades do nosso país, a combinação de candidatos espertos e eleitores desinformados. Os candidatos do Brasil, com raras exceções já tem a corrupção enraizada, e aqueles que não tem, aprendem depois de eleitos; enquanto que o eleitor nunca aprende a pesquisar direito e saber escolher seu candidato, preferindo se vender por promessas e favores.

    Em suma, muito boa crônica e pontual também, visto que estamos às voltas com mais uma eleição. Esperamos ver mais destas no blog.

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    1. Como disse, essa é uma combinação triste e até mesmo perigosa. Embora não seja exclusividade do Brasil, é algo péssimo e que precisa ser mudado (embora eu ande notando uma leve mudança na mentalidade das pessoas nos últimos tempos, acredito que esse ritmo de mudanças pode e deve ser acelerado).

      Como disse, existem exceções entre os candidatos corruptos, porém acredito que muitas vezes eles são convencidos (ou mesmo obrigados) a seguirem as "regras da casa" impostas pelos companheiros de partido e outras forças externas. Por causa disso, acabam se tornando meros peões que servem aos interesses de outras pessoas.

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  2. Bem, o que posso eu dizer? Eu achei interessante esta pequena crônica. É interessante ver como a falta de informação consegue levar outras pessoas "ao poder". Acredito que esta seja a realidade do Brasil, mas não só. O mesmo acontece em outros países do mundo. O eleitor, é verdade, cumpre o seu direito, e simultaneamente o seu dever (se me o permite dizer), em votar mas muitos destes são porque "este e aquele" assim o disse ou porque existem interesses pessoais (e egoístas) na questão. O resultado sempre acaba por ser este que a sua crônica tão bem retrata. Não defendo a ideia radical que todos os candidatos e políticos sejam corruptos. Acredito que haverá alguns que realmente querem mudar o sistema. No entanto, esses nunca terão oportunidade de ascender verdadeiramente porque os corruptos, através de esquemas, nunca deixarão que isso aconteça. "A cor do dinheiro", como se costuma dizer, é demasiado atractiva.
    Sendo assim, e antes que me estenda demasiado, era apenas para lhe dizer que esta sua crónica está muito bem escrita. Parabéns pelo trabalho.
    Kimberly Anne

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    1. Obrigado pela presença, Kimberly!

      Não é algo raro ouvir uma pessoa dizer em dia de eleição algo do tipo... "Droga, vou ter que ir para aquela fila". Sinceramente, do meu ponto de vista este deve(ria) ser um dia para agradecimentos, pois acredito que embora a democracia tenha certos defeitos (quando mal-aplicada), ela ainda se mostra muito superior a qualquer ditadura.

      Eu tenho notado algumas mudanças no sistema nos últimos tempos, mesmo que vacilantes ou apenas meros esboços. Suponho que uma mudança realmente radical só ocorreria como fruto de uma revolução, ideia que não me agrada muito... Acredito que o melhor a se fazer é esperar para ver a situação se desenrolar, sempre cobrando a aceleração e/ou evolução das tentativas de mudança que nos são apresentadas (como a Lei da Ficha Limpa, por exemplo.)

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  3. Excelente crônica, Diego!

    De início não sabia o que esperar, mas logo soube que era uma crítica à situação política do nosso país. Infelizmente isso é exatamente o que costuma acontecer. As pessoas não se informam o bastante sobre os candidatos e depois saem reclamando dos acontecimentos desfavoráveis na política. Temos que lembrar que o nosso voto, a nossa opinião, também poderá influenciar na direção que o nosso país está tomando.

    Enfim, você escreveu uma ótima crítica e ainda tratou com muito bom humor. Uma crônica simples e rápida, mas excelente em conteúdo. Sem contar que está muitíssimo bem escrita. Parabéns pelo trabalho, Diego.

    Tentarei aparecer mais vezes no blog! Um abração.

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    1. Exatamente. Como estamos em uma democracia, temos que lembrar que podemos sim fazer a diferença no dia da eleição, simplesmente pesquisando um pouco sobre os candidatos.

      Claro, ainda há aqueles que preferem fazer vista grossa e votar em candidatos que já se mostraram corruptos em outros tempos - isso explica certos figurões que protagonizaram escândalos há décadas estarem se reelegendo hoje. Mas sinceramente... Quem vota em alguém assim vai ter o líder que merece, sem mais.

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  4. Diego,

    Seu texto-crítica é muito bom. Gostei, tem força, beleza,
    satirizou com bom humor.
    Vou passar sempre para ler outros textos.
    Abraços.
    http://didimogusmao.blogspot.com.br/

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    1. Fico feliz que tenha gostado, Dídimo! Obrigado pela presença, espero continuar agradando.

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  5. Embora não tenha apreciado o tema da crônica (não é muito a minha cara...), gostei da simplicidade que tratou de uma realidade tão corrente no Brasil; os nomes genéricos também ajudaram a não ganhar personalidade e podermos ver quaisquer pessoas em tal papel (embora Silva seja meu sobrenome e tals...).
    Gostei, Diego.

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    1. Que bom que gostou, Amanda! Usei nomes "genéricos" justamente com essa intenção, a de mostrar como qualquer um pode acabar agindo assim, infelizmente...

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